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Um conto de Natal

Me chamo Natalino. Não sei o motivo pelo qual meus pais me registraram com este nome mas, se o peru é natalino, a ceia é natalina, as festas são natalinas, por que meu nome não seria Natalino, não é mesmo? Exceto por um pequeno detalhe. Nasci em 7 de setembro. Vocês devem estar se perguntando: Onde esse tal de Natalino quer chegar?

Tudo começou no dia em que sai para comprar cigarro. É meu amigo, não sou perfeito. Lembro-me apenas que minha mente estava bastante confusa. Juro que tentava unir o tico e teco na minha cabeça, mas meus dois neurônios estavam inquietos demais para que eu pudesse dominá-los. Minha cabeça era um grande vazio.

Peguei minha carteira e cai no mundo. Lembro-me vagamente de olhar para o meu violão, meu companheiro inseparável. Sempre achei que jamais o abandonaria. Com ele fui capaz de compor algumas melodias magníficas, modéstia à parte. As letras, confesso, eram péssimas. Imaginem um roqueiro maluco compondo.

Não olhei para trás. Uma coisa que lembro bem, é que nunca gostei de álcool. Tudo que fiz foi com total sobriedade, do ponto de vista alcóolico. Dormi na rua por alguns dias, até que não suportei mais ficar perto de mim mesmo. Estava na hora de tomar um banho. Sempre gostei muito de banho e as vezes tomava mais de dois banhos por dia. O suor sempre me incomodou bastante e no estado em que estava, meu corpo era um playground de vírus e bactérias.

Não foi difícil encontrar um lugar para banhar-me. Minha cidade era rica em praças com chafarizes. O problema era apenas encontrar uma com água. Nosso prefeito adorava investir em chafariz. Como não entendia de política, jamais me importei. Naquele momento, estava me servindo. Por incrível que parecesse, a única com água era justamente a do centro da cidade. Vai entender. Mal havia colocado o pé dentro da água, e ouvi um apito ensurdecedor, vindo de um guardinha que corria em minha direção com cara de fúria. Parecia um cara sem braços com vontade de coçar os países baixos. Pobre coitado. Passou por mim com tanta fúria que tropeçou em um ressalto no chão e socou a cara na beira do chafariz. Com um enorme corte na testa, olhando para mim com cara de "cú com câimbra", levantou-se para em seguida desfalecer-se.

Com pressa, coloquei-o em minhas costas e corri para o hospital, que estava próximo, na rua de trás da praça. Chegando ao hospital, insanamente relatei os fatos ao enfermeiro que prontamente pôs-se a me ajudar com aquele peso inconveniente em minhas costas. Aquele homem agora estava sendo socorrido por pessoas que poderiam realmente ajudá-lo. Sai de fininho daquele hospital, antes que alguém me acusasse de algo que não fiz.

Decididamente, procurei uma outra forma de banhar-me. Lembrei-me de que na periferia da cidade havia um riacho, onde costumava pescar com meu pai, quando ainda era jovem. Por sorte o rio ainda estava lá. Não tinha mais aquela água tão limpinha como antes, em minha infância, mas servia para meus propósitos de imediato. Subi aquele rio o máximo que pude, bem longe de qualquer habitação e consegui, enfim, tomar meu merecido banho.

Por alguns dias, resquícios de minha antiga vida ainda eram sequelas que pareciam ser irreparáveis. Não imaginava que a frase: "Tudo na vida é passageiro, menos o cobrador e o motorista", faria tanto sentido como fez à minha. Minha mente estava limpa. Podia ver com clareza um futuro melhor. Voltei à cidade e entrei na primeira porta que vi. Era a funerária. Dei meia volta e entrei em outra porta. Não gosto de nada relacionado à morte. Era uma porta que ligava a rua a uma parede. Porque alguém faria uma porta em uma parede? Vai saber... Esqueci de dizer que nesses dias de branco total na cabeça, comi de tudo que encontrava nas lixeiras. O melhor lixo comestível, foi com certeza, o da casa do prefeito. Pela primeira vez na minha vida, comi caviar. Estava azedo e a dor de barriga foi maluca. Parecia um pato hipopótamo! Já viu um hipopótamo cagando? E um pato? Melhor não entrar em detalhes.

Aquelas portas não faziam sentido para mim. Resolvi ir ao shopping. Já no shopping, percebi um maluco com um rádio na mão, correndo na minha direção. Aquele rosto não me era estranho, porém, não lembrava de ninguém com terno e gravata com um rádio na mão. Suei frio e pensei comigo: Que diabo é isso? Será comigo? Não acreditei quando o cara se aproximou e todo esbaforido, me indagou: - Qual o seu nome? Lembra-se de mim? A cicatriz na testa fez-me lembrar daquele dia fatídico do chafariz. Era o tal guardinha da praça. Percebi de imediato que seu olhar não representava perigo e relaxei. Relaxei tanto que soltei um pum. E que pum fedido! Uma mistura de peixe com urubu podre. Fiquei até tonto. Percebendo meu estado deplorável, o homem não se continha dentro de si mesmo, parecia uma criança que via a chegada de seu tão sonhado primeiro cãozinho de estimação.

- Meu amigo, não sei o que te dizer. Sou tão grato a você, que contei aos meus amigos o ocorrido no chafariz naquele dia. Procurei você por todos os cantos da cidade, enquanto meus amigos faziam uma grande campanha nas redes sociais. Tenho algumas surpresas para você. Me acompanhe.

Caramba! Que loucura. O shopping estava todo enfeitado com ornamentos natalinos. Estava tão perdido em minha loucura, que não percebi a chegada do final do ano. Era a semana do Natal.

O homem se chamava José. José levou-me até uma porta que estava semiaberta. Era uma pequena sala, bem arrumada com uma mesa e uma estante. Um escritório. Ao lado da estante, uma roupa de Papai Noel descansava sobre uma arara. José pediu gentilmente para sentar-me à mesa e em seguida sentou-se também.

- Desculpe-me pela indelicadeza, nem perguntei seu nome.

- Me chamo Natalino.

- Sr. Natalino, quanta coincidência! Tenho uma proposta de trabalho para o senhor. Tivemos um pequeno desentendimento com o antigo Papai Noel e como o senhor pode perceber, estamos a poucos dias do Natal.

- Sem querer interrompê-lo, mas já interrompendo, o que aconteceu com o outro Papai Noel?

- O Sr. Luís Inácio tinha um pequeno vício que não nos foi informado no momento de sua contratação. Ele bebia. Há dois dias ele socou uma senhora em um ataque de fúria. Ele a confundiu com sua esposa. Era pura cachaça.

- Poxa, que cena triste.

- Pois é. Como lhe disse, tenho surpresas para o senhor. Em primeiro lugar, meus amigos conseguiram arrecadar um valor superior ao estimado com a campanha nas redes sociais. Acredito que será o suficiente para que o senhor tenha alguns anos de conforto junto à sua família. Além disso, acho de bom tom, convidá-lo para ser nosso Papai Noel por uns dias aqui no shopping. Claro que com um bom salário e ajuda de custos com transporte e alimentação. O que me diz da proposta?

- Claro que aceito. Será muito interessante neste momento da minha vida.

E assim, tornei-me Papai Noel por alguns dias. Foram momentos muito felizes. Não tem preço o olhar daquelas crianças. Vinham com um imenso brilho nos olhos e com os pedidos mais insanos. Por incrível que possa parecer, algumas pediam para que seus pais não brigassem mais dentro de casa. Outras pediam para que as crianças do mundo pudessem comer. Eram apenas crianças com sonhos de adultos. Esses dias foram muito valiosos para mim e foi então que resolvi voltar para casa. Agradeci muito ao José e aos seus amigos pela grande ajuda e antes do final do ano, já estava de volta ao meu seio familiar. E foi só no aconchego do colo de minha esposa, que me dei por conta que também não fumava.

Mood

Texto, criação e ilustração: Mood


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